“Diante de tudo o que vivi, a minha mensagem é voltada para as mulheres. Que possamos nos fortalecer juntas para continuar existindo, para termos nossos direitos, para exigirmos dignidade. Criaram em nós um senso de competição que nos isola e enfraquece, precisamos superar isso e nos unir. Juntas somos mais fortes.” Eliana Barros
Mulheres Eternas: Eliana Barros
Eliana Marques Barros, filha de Helenita Marques Silva e Epaminondas Freitas Barros, compartilha nos próximos parágrafos, um pouco sobre a sua história e motivos para dizer sim à vida.
“Nasci em 22 de dezembro de 1969, na fazenda Lembrança, às margens do Córrego Queixada, em Medeiros Neto, na Bahia. Meus pais eram muito pobres e trabalhavam nas fazendas da região.
Sou a quarta filha de oito irmãos por parte de mãe, mas, no total, somos 17 irmãos. Em três casamentos de meu pai. Sou filha do segundo casamento. Fui criada até os 9 anos por pai e mãe, depois apenas por minha mãe.
Meus pais plantavam e pescavam, minha mãe também lavava roupas no Rio Jequitinhonha e era lá que tirava o barro para fazer utilitários de ceramica.
Minha mãe foi criada como escrava doméstica no interior da Bahia, desde os quatro anos de idade. Por isso, foi apenas quando saímos da Bahia, em 1972, e fomos para Almenara, que minha mãe pode se dar um nome e nos registrar também. Portanto, sou naturalizada em Almenara/MG.
Até os sete anos, vivi na roça e, em 1976, minha família se mudou para Belo Horizonte. Esse foi o meu maior desafio de criança. Sair da roça e vir para a cidade foi difícil, passamos por muitos preconceitos, falta de alimentos, fomos morar nas vilas e favelas perto dos córregos, que na cidade são esgotos.
Nunca tínhamos visto isso antes, tanta água suja e tantas casas juntas. Nós tínhamos medo da comida industrializada, eu não conhecia alimentos processados e ultra processados. Na roça, nossa comida vinha do campo, plantado por pai e mãe. Não conhecíamos plástico. A fome falou alto.
Na cidade também precisamos aprender a viver sem pai e sem mãe por perto. Meu pai não se adaptou na cidade e acabou indo embora. Ele deixou minha mãe e nós optamos por ficar com ela. Como ela trabalhava dia e noite para nos manter, assim, ficamos sem os dois.
Antes de virmos pra cidade, mãe nos levava em todos os lugares que trabalhava, estávamos sempre juntos. Na cidade conhecemos a violência policial, onde o braço do Estado usava botas e armas para agredir, até mesmo crianças, de forma muito cruel.
Com 11 anos de idade eu já trabalhava em casa de família, muitas vezes com fome, pois era negado até o alimento. Só podia ir em casa a cada 15 dias, ou uma vez por mês.
Fui mãe adolescente. Aos 17 anos, engravidei da minha primeira filha e tive que me virar pra criá-la sozinha. Na fase adulta passei por muitos desafios, um deles foi a violência doméstica.
Sou sobrevivente de tentativas de feminicídio, mas consegui quebrar o ciclo do relacionamento abusivo e me separar. Desse relacionamento, tive mais dois filhos. Criei os três filhos e até fui à escola fazer o primário, isso com quase 30 anos. Eu já sabia ler, aprendi sozinha ainda criança.
Com 14 anos, comecei a trabalhar com minha mãe em um restaurante. Eram 12 horas de trabalho sem direito a nada. Com o passar do tempo e os filhos crescendo, comecei a fazer faxinas para poder estudar meus filhos. Não queria que eles passassem pelo que eu passei.
Sempre tive o pensamento de voltar pra vida na roça, não conseguia ser feliz na cidade e ver tanta injustiça. Queria pescar, plantar, criar galinhas, porcos, etc.
Quando minha filha mais velha foi para a faculdade, fiz esse retorno para a roça com meu filho caçula. De volta às raízes, fui morar com meu atual companheiro em Cachoeira do Choro, às margens do Rio Paraopeba, na área rural de Curvelo/MG.
O Rio Paraopeba já era um conhecido antigo pois, meu pai, quando nos deixou, foi viver na área rural de Esmeraldas, também às margens desse rio, que eu conheci aos 10 anos de idade em visitas ao meu pai.
Foi lá que aprendi a plantar, cuidar da terra e da água; com meu pai. Pai não fazia roça ele ‘plantava comida’. Sempre que eu perguntava: paínho pra que tá capinando aí? Vai fazer roçado?, ele respondia: “sim, vou plantar comida”.
Com o meu retorno para a roça, voltei para a terra, o rio, o peixe e o barro. Foi como voltar para o colo de pai, já falecido em junho de 1991. Lá também voltei a viver em comunidade. Em Cachoeira do Choro eu plantava minhas sementes, algumas delas herdadas de pai. Cuidava das criações, da pesca e da terra.
Foi então que, no dia 25 de janeiro de 2019, a Vale cometeu mais um crime, matou 272 pessoas e contaminou o nosso Rio Paraopeba com tudo o que há em volta dele. Foi aí que começou uma das maiores lutas que eu já enfrentei, e sigo enfrentando.
Vi a minha comunidade empobrecer, as pessoas adoecerem e até tirarem a própria vida. A revolta tomou conta de mim e foi aí que eu conheci os movimentos sociais.
Fui para a luta contra a mineradora Vale, em busca de recursos para a minha comunidade que sofria a fome pela perda do nosso Rio Paraopeba, que é o berçário do Rio São Francisco.
Reuni as pessoas da comunidade que, nesse momento do crime, estavam sendo enganados por oportunistas e fiz um grupo de WhatsApp com ajuda da minha filha mais velha, que é jornalista.
Comecei a reunir as pessoas para a luta, fizemos uma assembleia que contou com cerca de 150 pessoas. Dessa assembleia, surgiu a Comissão de Atingidos de Cachoeira do Choro, da qual faço parte desde então.
Em 2021, criei o grupo das Mulheres do Barro, que tem o objetivo de proporcionar troca de saberes e gerar renda através do artesanato. Eu ensinava elas a trabalhar o barro e também aprendia com elas outras formas de artesanato.
Juntas, criamos a União das Mulheres Atingidas pela Mineração (UMAM) e estamos em busca de construir e fortalecer essa união e manter a tradição do artesanato.”
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